Crónica de um 25 de Abril diferente

Manuel Raposo — 28 Abril 2024

Uma resposta dada na rua aos avanços da direita. Lisboa, Avenida da Liberdade, 25A2024

O país foi palco de uma das maiores manifestações de repúdio pelo fascismo. Muitas centenas de milhares de pessoas comemoraram o 25 de Abril deste ano não apenas como uma evocação saudosa, mas como uma exigência de luta do momento presente. Foi a resposta, dada na rua, aos avanços da direita e da extrema-direita conseguidos nas urnas há mês e meio. Decididamente, o voto não é a arma do povo.

A participação de gente de todas as idades (com destaque para os jovens, normalmente tidos como alheios aos idos de Abril), a alma com que se gritaram palavras de ordem e cantaram canções evocativas, a multiplicidade de agrupamentos espontâneos que afirmavam as suas convicções e os seus desejos – tudo isso deu sinal de um ânimo que há muito não se via. Comparáveis, nos tempos mais recentes, só as manifestações da TSU e da Geração à Rasca que acossaram o governo da troika e ajudaram a apeá-lo.

Nem as forças da extrema-direita, nem os grupelhos fascistas que haviam prometido meter o bedelho na festa se atreveram a aparecer. Ficou visto que a expressão eleitoral da extrema-direita não tem correspondência numa igual ou sequer proporcional capacidade de mobilização. O milhão e tal de votos de que o Chega se vangloria não lhe serviram para marcar o ponto. E as centenas de milhares de votos da IL deram numas dezenas de tristes passeantes. Os seus apoios estão no voto silencioso, que teme a acção de rua e o confronto social.

A maciça presença popular e a determinação de que os manifestantes deram provas retiraram campo às provocações anunciadas (salazarentas, neo-salazaristas, ou “liberais”). Imensos pequenos cartazes improvisados repudiavam directamente a representação parlamentar dos novos fascistas, e prometiam fazer-lhes frente. A arma do povo, confirma-se, é a rua.

Em 10 de março, ficou provado que nem o PS nem os acordos parlamentares foram competentes para travar a direita. O longo hiato de lutas laborais de envergadura, no que toca à classe operária e aos sectores populares mais pobres, permitiu os compromissos do PS com o patronato e deu à direita espaço para explorar a seu favor a justíssima revolta do povo diante da degradação das condições de vida.

A resposta dada na rua a 25 de abril tem implícita a ideia de que o ciclo mais recente de governos do PS terminou, que a “protecção” por eles conferida ao mundo do trabalho era ilusória, que a promessa de oposição parlamentar “firme” soa a chocho, e que, diante da nova realidade, outras forças têm de ser mobilizadas e outras formas de luta têm de ser postas em prática para travar uma direita desejosa de desforra.

O patronato já manobra, nos bastidores e às claras, para sacar do actual governo (mesmo precário) o mais que puder em pouco tempo. Pelas vozes que se vão ouvindo, as leis laborais, a venda de empresas públicas lucrativas, as reduções de impostos sobre o capital, o corte de apoios sociais, o travão à prometida subida de salários, a entrega da Saúde a privados – fazem parte dos seus planos imediatos. Centuriões e falcões de capoeira acrescentam ao rol o aumento dos gastos militares exigidos pela NATO. Tudo aponta no mesmo sentido: sacrificar o trabalho, dar folga ao capital. Só a fraca base de sustentação parlamentar impedirá o governo de retomar a linha política dos tempos da troika.

Pelo que se pôde testemunhar em Lisboa, no Porto e nas principais cidades, a história seria hoje certamente outra se os trabalhadores tivessem desconfiado dos arranjos parlamentares e apostado na sua própria força – nas empresas e na rua. Tal como fizeram há 50 anos.

O sobressalto do último 25 de abril mostra que se pode ir mais longe. Prolongar o impulso de luta agora visto para o próximo 1.º de maio seria sinal de vitalidade renovada do campo operário e do movimento sindical. Por ter uma natureza social diferente e diferentes reclamações, o 1.º de maio pode não trazer à rua a mesma multidão. Mas isso será largamente compensado se, a par das suas reivindicações inadiáveis (salários, contratação, condições de trabalho, habitação, saúde…), o movimento vincar o seu sentido de classe dispondo-se a enfrentar o poder patronal e o poder político representado no governo que entrou em serviço.

A Liberdade e a Democracia, glorificadas em geral como património indistinto de todos, só ganham sentido concreto se forem entendidas pelos trabalhadores de acordo com os seus interesses próprios. Isto é: como o direito de fazerem frente à exploração e de se organizarem, enquanto classe, como força política de combate ao capitalismo.


Comentários dos leitores

APP 28/4/2024, 15:44

«Só a fraca base de sustentação parlamentar impedirá o governo de retomar a linha política dos tempos da troika.» Eh pá! se calhar é capaz de valer a pena meter lá um pessoal que não lhes dê a "sustentação" que lhes falta!

Fernando Guerreiro 28/4/2024, 17:37

ps psd cds e outros lenga lenga mas sempre com o capital e pelo capital . Só estás três letras os fazem tremer PCP


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