A derrocada do Ocidente
Editor / O Comuneiro — 22 Abril 2025

A agitação que, visivelmente, abala o mundo tem raízes fundas. Uma, é a derrota do Ocidente na Ucrânia, implicitamente reconhecida pelo seu principal promotor, os EUA. Outra, mais determinante ainda, é a decadência que, vinda de dentro, fruto de um capitalismo caduco, mina a hegemonia, aparentemente imbatível, que o imperialismo até há pouco exerceu sobre o mundo.
É neste quadro que a revista O Comuneiro, publicada em março, aborda a evolução global que se desenrola em marcha acelerada. A China e os seus êxitos em 75 anos de República Popular, a viragem política nos EUA personificada por Trump, o imperialismo e a sua crise são temas centrais. Publicamos um resumo da introdução feita pelos editores e chamamos a atenção em especial para dois artigos sobre a temática do imperialismo hoje, pela pena de dois marxistas: o indiano Prabhat Patnaik e o norte-americano John Bellamy Foster.
O GRANDE DESAFIO DA NOSSA ÉPOCA
Ângelo Novo / Ronaldo Fonseca
Prossegue a derrocada da Casa Grande do Ocidente. Batida na Ucrânia, cindiu-se a meio com a espinha dorsal quebrada. Os E. U. A. abandonam a ilusão de comandar uma ordem liberal universal neo-vestfaliana, procurando usar o que resta do seu poder de intimidação militar e financeira ao serviço de uma estratégia solitária e unilateral. A Europa mergulha na irrelevância, estremecida por uma risível febre de rearmamento, que só merece ser levada a sério enquanto prenúncio do descalabro final do seu Estado Social. Tudo isto é ainda apenas o início de um interminável pesadelo para os atuais senhores do mundo. O soçobro final vislumbra-se no Médio Oriente, com a expulsão dos norte-americanos da região e o desmantelamento de Israel (quintessência do ocidentalismo), o mais odioso projeto racista e supremacista desde o III Reich nazi, do qual é um transbordamento. O grande desafio da nossa época é completar este processo desmetropolizante, desarmadilhando cuidadosamente a ameaça de uma guerra e consequente inverno nuclear. Isso cumprido, deixaremos enfim de viver num mundo dividido entre nações senhoriais e servis, exploradoras e submetidas. Poderemos, então, remeter a luta anti-imperialista para o modo preventivo e reativar, agora globalmente, a palavra de ordem “Proletários de todos os países, uni-vos!”, ao serviço do desenvolvimento humano universal e do equilíbrio ecológico no planeta.
O Ocidente é um acidente. Um acidente infeliz, uma intumescência neoplásica ocorrida no processo de desenvolvimento histórico-material da humanidade. Há quem o pretenda essencializar e sacralizar, inventando para ele as mais absurdas e mí(s)ticas genealogias. Na verdade, esta ideia de Ocidente é uma invenção do século XIX, projetada retrospetivamente de forma eletiva e arbitrária. Como está bem estabelecido (recentemente, por Josephine Quinn, uma autora em nada subversiva nem marxizante), o atual Ocidente é resultado de um processo multimilenar de contínuas trocas, pastiches e reelaborações culturais, envolvendo, entre outros, levantinos, persas, chineses, indianos, árabes e africanos. Juntemos-lhes americanos e polinésios para termos praticamente a humanidade inteira. Com início no século XV (excluídos episódios precursores como Alexandre, Roma ou as Cruzadas), a violência e a coação entraram no quadro, desequilibrando as coisas a favor dos mais experientes guerreiros europeus. Foi do saque gargantuesco dos povos submetidos que se amassaram as riquezas que permitiriam a revolução industrial. O modo de produção capitalista é, ele próprio, dialeticamente, resultado e fator do processo expansionista que criou o Ocidente. É este o tumor que tem agora de ser extirpado, se a humanidade houver de ter uma oportunidade de sobreviver e progredir.
Nem tudo é mau na herança ocidental. Os subscritores destas linhas procurarão em vão cavar distância em relação a ela, porque se filiam numa das suas tradições intelectuais. A humanidade, no seu conjunto, aprendeu e amadureceu muito com a via ocidental, que agora se tornou obviamente inviável e catastrófica. Nos campos cultural, científico e político-económico. Neste último, aprendeu, entenda-se, não com as classes dominantes, com os possuídos pela sede de domínio e promotores do expansionismo desenfreado, mas precisamente com aqueles que procuraram estabelecer-lhes limites e regras, vislumbrando a superação da ordem vigente. Com aqueles que, em contracorrente e contrapoder, criaram civilização a partir dos destroços acumulados pelo “progresso”, amassados estes sempre sobre o sangue, os gritos aterrados, o suor e as lágrimas dos vencidos. O constitucionalismo, os direitos humanos, a democracia representativa, a liberdade de expressão e de associação, os direitos e garantias do trabalhador, o cuidado e solidariedade social, o planeamento participado, a igualdade entre homens e mulheres, a nada disto renunciamos, salvo em estado de emergência e necessidade. Mas estas conquistas não são exportáveis no seu exato molde ocidental. Têm de provar a sua verdadeira universalidade por meio da sua recriação ou transliteração no contexto local, crescendo naturalmente a partir de bases endógenas. Os tempos da expansão colonial e da assimilação hegemónica já passaram há muito. Enquanto decorreram, nunca os conquistadores mostraram qualquer predisposição para criar uma cidade mundial de acordo com estes seus tão virtuosos preceitos.