Lições da instabilidade política na América Latina

Editor / John Catalinotto — 14 Dezembro 2022

Opositores ao golpe contra o presidente Pedro Castillo bloqueiam o trânsito, exigem a sua libertação e novas eleições, 11 de dezembro

A guerra na Ucrânia concita todas as atenções políticas do momento. Especialmente para as populações europeias, as razões são fáceis de entender: um conflito militar ao pé da porta, escassez de bens, carestia, aumento da pobreza, ataque ao Estado Social. Mas as atenções do imperialismo, concretamente dos EUA, não se ficam pela Ucrânia ou a Europa. Recentes ataques aos regimes políticos do Peru, da Argentina e do México mostram que os EUA não desistem facilmente da ideia prepotente de que o Continente é um seu quintal.

E esse facto evidencia também que os países da América Latina que tentam escapar à hegemonia norte-americana terão, não só de contar com o apoio das massas populares, mas também de considerar que tipo de Estado e que tipo de poder terá de ser implantado. Disso depende, como salienta o artigo que divulgamos, um futuro de progresso que beneficie as massas trabalhadoras — para que as ambições de independência, de progresso e de revolução social tenham viabilidade e base segura. Há uma diferença entre ganhar eleições e deter o poder.

 

PERU, ARGENTINA, MÉXICO: LIÇÕES SOBRE OS GOLPES E AS “ACÇÕES LEGAIS” NA AMÉRICA LATINA 

John Catalinotto, Workers World, 13 dezembro 2022

Golpe no Peru, 7 de dezembro. “Acção legal” na Argentina, 6 de dezembro. Confronto no México, 27 de novembro. Nas últimas semanas, as elites reaccionárias da América Latina, parceiros menores dos EUA e do imperialismo mundial, desafiaram representantes eleitos de esquerda nesses três países.

Estes eventos ilustram o que Karl Marx e Lenin ensinaram há muito tempo sobre como a classe dominante usa o aparelho estatal que controla — polícia, tribunais, prisões, exército, meios de comunicação — para atacar governos populares e impedir o progresso social.

Peru

Os membros reaccionários no Congresso peruano realizaram a sua terceira tentativa de destituição em 18 meses contra o popular líder da classe trabalhadora, o presidente Pedro Castillo. Originário de uma família camponesa indígena, Castillo tornou-se professor e líder sindical antes de desafiar os políticos corruptos do Peru. Enfrentou a hostilidade aberta e o racismo dos ricos, que controlam os bancos, os média, a polícia, os tribunais e as forças armadas do país.

Para impedir a terceira tentativa de destituição, Castillo ordenou que o Congresso reaccionário fosse dissolvido em 7 de dezembro e convocou uma assembleia provisória para redigir uma nova Constituição. Essa acção de última hora falhou quando o Tribunal Constitucional do Peru a condenou, difamando os movimentos de Castillo como uma “tentativa de golpe de estado”. A polícia nacional prendeu Castillo, que permanece na prisão, de onde pediu asilo ao México.

A comunicação social mundial — o New York Times e o britânico Economist, por exemplo — colocou a verdade de cabeça para baixo e culpou Castillo pelo golpe que os seus inimigos planearam contra Castillo desde antes de ele vencer a eleição de 2021.

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, disse claramente que a extrema direita queria enviar uma mensagem: “Não vamos permitir que você governe”. (venezuelanalysis.com, dez. 10)

Argentina

A última eleição presidencial da Argentina em outubro de 2019 substituiu o então presidente neoliberal e pró-imperialista Mauricio Macri por Alberto Fernández, de centro-esquerda, cujo vice-presidente é a ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner.

Como Cristina Fernández já foi presidente e esposa do falecido presidente Néstor Kirchner, a massa de eleitores da classe trabalhadora identifica-a — mais do que o presidente — com políticas progressistas e pró-soberania. Pela mesma razão, os políticos da classe dominante da Argentina atacaram-na com uma “acção legal”.

“Acção legal” significa que a elite usa os juízes e tribunais que controla para virar a lei contra políticos populares como Cristina Fernández e empurrá-los para fora do cargo e colocá-los na prisão, se puderem. Ela foi considerada culpada em 6 de dezembro e foi sentenciada a seis anos de prisão, decisão contra a qual ela pode e promete lutar.

O maior impacto da acção legal foi no Brasil, onde foi usado para depor a presidente Dilma Rousseff em 2016 e manter Luís Inácio Lula da Silva na prisão durante a eleição de 2018, entregando essa eleição ao ultradireitista Jair Bolsonaro. E o processo judicial foi igualmente uma arma chave na repressão da esquerda no Equador.

México

A direita no México apresentou acusações infundadas de corrupção contra o presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO). Antecipando-se à oposição de direita, AMLO e o seu partido, Moreno, convocaram a sua própria manifestação de apoio de massas em 27 de novembro. Cerca de 1,2 milhões de pessoas marcharam na Cidade do México e reuniram-se na enorme praça Zócalo para apoiar as propostas do governo por reformas progressistas. Embora o protesto de massas não seja garantia de vitória para o programa de AMLO, ele fortalece a sua posição contra aqueles que planeiam um golpe ou uma acção legal.

Considere-se a Bolívia. No outono de 2019, o 1% dos mais ricos, com a polícia e o exército, derrubou o governo de esquerda liderado por Evo Morales. Durante o ano seguinte, as acções de massas continuaram nas comunidades indígenas da Bolívia, forçando uma nova eleição e uma vitória do partido de Morales no final de 2020.

Eleições e poder do Estado

Na sua obra “O Estado e Revolução”, Lenin citou Marx para mostrar as limitações das vitórias eleitorais para provocar uma mudança no domínio de classe: “Deve-se prestar atenção especial à observação extremamente profunda de Marx de que a destruição da máquina burocrático-militar do Estado é ‘a pré-condição para qualquer verdadeira revolução popular.’”

As eleições podem indicar a consciência política da classe trabalhadora e dos pobres — elas mostram o que as massas querem — e mesmo isso é limitado pela influência do dinheiro e pelo impacte da ideologia reaccionária. A polícia, os tribunais e o exército podem impor o domínio capitalista apesar da opinião anticapitalista das massas, de modo que um político de esquerda pode assumir o cargo sem realmente tomar o poder.

Mobilizações de massas podem desencorajar acções ilegais de um pequeno grupo de conspiradores que trabalham com os corpos armados do Estado. Mas eles oferecem protecção incerta, a menos que as massas estejam armadas e organizadas. Embora as vitórias eleitorais dos candidatos de esquerda no México, Chile, Brasil e Colômbia sejam encorajadoras, o imperialismo e seus parceiros menores da elite local continuam a ser uma ameaça perigosa e, na maioria dos países, permanecem no controlo do poder.

Exemplos contrários podem ser encontrados em Cuba e na Venezuela, onde o aparelho do Estado está nas mãos da esquerda. Apesar das cruéis sanções e bloqueios que infligiram sofrimento maciço às populações, os governos de esquerda resistiram às conspirações dos imperialistas para os derrubar.

Em ambos os países, os governos usaram o seu próprio controle do aparelho estatal — não mais ao serviço dos ricos — e combinaram isso com mobilizações populares de massas para derrotar as tentativas de golpe imperialista. Os revolucionários devem ter em mente essa história, enquanto avaliam o que um governo da classe trabalhadora precisa fazer para se defender e defender as massas que representa.


Comentários dos leitores

leonel lopes clérigo 18/12/2022, 14:46

SUBDESENVOLVIMENTO

O Subdesenvolvimento continua, hoje como ontem, um dos traços mais marcantes das economias que constituem a grande maioria dos países Capitalistas.
É certo que muito boa gente discorda disto, começando pelo próprio termo "Subdesenvolvimento": o Mundo vai avançando por todo o lado - dizem-nos - por vezes "lento" ou seja, não tão depressa como gostaríamos que fosse. Mas lá que avança, avança mesmo.
Esse avanço é "prova" de que o dito Subdesenvolvimento - mais ano menos ano... - tenderá a acabar e todo o mundo será DESENVOLVIDO. Não ver isto, é coisa de cegos.
Quanto à "lentidão" há também uma tese curiosa e que os TUGAS conhecem bem: é a celebre História das "formiguinhas trabalhadoras" (infelizmente muito poucas) e das "cigarras cantadeiras e preguiçosas" (aos milhões): por isso a coisa tem que forçosamente ser "lenta", ir devagar para as estúpidas cigarras aprenderem.

Contudo, o SUBDESENVOLVIMENTO - a ausência de Revolução Industrial - parece ser como as BRUXAS: há quem não acredite nele...mas lá que existe, existe mesmo. PORTUGAL é um deles mas, felizmente, já hoje temos gente que vai atirando para o lado o "manto diáfano da fantasia" descortinando que, afinal, nem lençol temos que nos tape.

1 - As notícias que nos chegam recentemente do PERÚ parecem indicar que a "Bela DEMOCRACIA" que o "OCIDENTE" mais DESENVOLVIDO tem vindo a difundir e a impor no Planeta, não é assim tão "Democrática" como nos revela a inefável "Comunicação Social".
Hoje, com cerca de dois séculos e meio de vida, O CAPITALISMO continua igual ao que sempre foi: um sistema norteado pela exploração do trabalho e a criação de desigualdades por todo o lado onde exerce sua dominação.
Não é por isso de admirar que apenas uma pequena "ELITE" de PAÍSES (o dito G7) se permita desfrutar do DESENVOLVIMENTO: o resto do MUNDO CAPITALISTA anda por aí a sobreviver aos "encontrões" e "solavancos". E tudo isto no meio dum PROGRESSO CIENTÍFICO que parece querer fazer acreditar à HUMANIDADE que já detém na mão o "segredo do Universo".

2 - Mas como em tudo, mais tarde ou cedo chega a hora da verdade e já nem os "floreados" das "grandes descobertas científicas" conseguem esconder aos falsos "basbaques" do "PROGRESSO", a ideia de que "isto vai de mal a pior".
O texto acima de John Catalinotto - editor-chefe do jornal do Partido Mundial dos Trabalhadores e que parece pretender apenas fazer um ponto da situação - mostra-nos isso: dar-nos conta do estado actual das VELHAS CONTRADIÇÕES que vêm emergindo e avolumando há já um bom "par de anos", repescando já às claras a velha luta - julgada morta e enterrada...- entre "ricos e pobres". Como agora no Perú e para mal dos pecados duma "Democracia" mentirosa.


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