Putin e Xi Jinping, os favoritos do imperialismo

António Louçã — 14 Janeiro 2022

Reagan e Gorbachov na cimeira de Reiquiavique, 1986. Promessas…

Os EUA e a União Europeia esperneiam e esbracejam com as ameaças de Putin contra a Ucrânia e com as ameaças de Xi Jinping contra Taiwan, com os atentados de serviços secretos russos contra opositores políticos e dos tribunais chineses contra o movimento pró-democracia em Hong Kong. Festival de hipocrisia: ninguém é mais conveniente para o imperialismo do que déspotas como Putin ou Xi Jinping.

O caso de estudo desta retórica vazia é constituído pelos protestos ocidentais devidos à política genocida da nomenklatura cazaque. Depois de ter decidido, ao melhor estilo da troika que conhecemos, duplicar de um dia para o outro os preços do gás, o velho oligarca cazaque Nursultan Nazarbayev (*) viu-se a braços com uma insurreição popular. Deu ordem à polícia e ao exército para que reprimissem as manifestações de protesto disparando a matar e sem aviso prévio. O resultado são dezenas de mortos admitidos pela ditadura, possivelmente muitos mais na realidade. 

Para a repressão, Nazarbayev conta com o apoio de tropas especiais russas, enviadas de urgência pelo amigo Putin, tal como Lukaschenko contou também com esse apoio quando precisou de esmagar protestos contra a sua farsa eleitoral.

Com este espectáculo diante dos olhos, Joe Biden não quis deixar quaisquer dúvidas sobre o que é importante para o imperialismo: sobre a Bielorrússia e o Cazaquistão, emitem-se pomposas declarações invocando os direitos humanos espezinhados, tudo sem qualquer significado prático, e dessas declarações bem se ri a camarilha de Putin; mas sobre a Ucrânia preparam-se sanções económicas duríssimas, em caso de invasão russa. Aquilo que está em causa na Ucrânia não são movimentos populares de protesto justo e legítimo, e sim os interesses de alargamento da NATO às fronteiras de um país, a Rússia, onde essa presença terá forçosamente de ser sentida como provocação e ameaça.

A mesma coisa vale para Xi Jinping. Quem esperasse de Joe Biden o regresso a um diálogo com a China, interrompido sob a presidência de Trump, teve de desenganar-se rapidamente, porque a política da intimidação e das provocações continua em vigor no que respeita a proteger a independência de Taiwan, o país fabricado pelo imperialismo para ter um ponto de apoio económico e militar às portas da China.

Já no que respeita aos direitos humanos e aos movimentos pró-democracia, continua em vigor a retórica vazia. As atrocidades cometidas pela autocracia chinesa contra os uigures são exactamente tão toleradas como o têm sido na Birmânia as atrocidades cometidas contra os rohyngia. Se ocasionalmente se dita para as actas da ONU algum débil protesto sobre esses crimes, nem por isso eles deixam de ser bem-vindos para um imperialismo que tem todo o interesse em que se cave um fosso profundo entre a China e o mundo muçulmano, não vá dar-se o caso de ambos se aliarem em caso de agressão contra o Irão.

E o mesmo se passa com os veredictos judiciais contra as figuras de proa do movimento pró-democracia em Hong Kong. As pesadas penas que lhes têm sido impostas por delito de opinião suscitam na política imperialista protestos meramente verbais, em contraste com a importante mobilização de meios militares que sempre ocorre quando está em causa Taiwan.

Os imperialismos ocidentais podem lançar as cortinas que fumo que quiserem, mas a última coisa que poderiam querer era o renascimento de um movimento operário organizado e reivindicativo numa China que é hoje a grande fábrica do mundo. E a penúltima que poderiam querer era o derrubamento de Putin, mentor de todos os partidos fascistas e fascistóides por esse mundo fora, por um movimento popular que reatasse com as melhores tradições da Rússia revolucionária e internacionalista.

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(*) Mesmo depois de três décadas na presidência do Cazaquistão, ninguém deveria proceder como se Nursultan Nazarbayev fosse eterno. Escrevi o artigo acima sem prestar atenção a essa elementaridade e errei. Nazarbayev retirou-se em 2019 e o presidente actual  é Kassym-Jomart Tokayev. Do erro, peço desculpa aos leitores e leitoras. (Nota acrescentada em 16.01.2022)


Comentários dos leitores

Isabel Maria Viana Moço Martins Alves 23/1/2022, 18:15

Uma análise que é lúcida, sobre os jogos dos imperialismos, na conjuntura política internacional. Obrigada.

AP 26/1/2022, 23:25

Discordo completamente desta análise.

O que se vê de reacção da Europa e dos EUA são actos de quase desespero de uma facção capitalista que começou a sentir que vai ter de dividir o mercado mundial com a China. Vai ter de discutir as questões geoopolíticas à mesa com a China. E está em riscos de perder o lugar de reis e senhores.

Este ataque à China e à Rússia é a tentativa desesperada de travar o desenvolvimento industrial e tecnológico da China. Ou, acho eu, atrasar (porque é já imparável), para mitigar danos. Daí a corrida ao made in USA, a injecção de capital na tecnologia americana, o fim da guerra no Afeganistão, etc.

Caír no discurso vazio, e errado, dos direitos humanos, das autocracias, das atrocidades, dos fascismos, é cair, a meu ver, na narrativa que justifica as sanções económicas e os entraves ao desenvolvimento da China. É cair no discurso da democracia (burguesa) do ocidente vs as ditaturas do oriente.

Foquemo-nos nas nossas autocracias, na nossa falta de democracia, nos nossos ataques ao direitos humanos, nas atrocidades cometidas pelo nosso regime, e deixemos os Chineses e os Russos tratarem dos seus assuntos internos, como é do seu direiro.


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