No rescaldo da greve geral
“Controlar” ou impulsionar o protesto social?
Os sindicatos não podem ser “válvulas de escape”
Urbano de Campos — 8 Dezembro 2011
O foco dos comentários sobre a greve geral do passado dia 24 incidiu sobre a pequena desordem nas escadas da Assembleia da República e a pancadaria que agentes policiais à paisana deram em manifestantes isolados. Esta violência é um sinal do que o poder é capaz de fazer para se defender dos protestos sociais e merece ser vista a essa luz. Mas mais importante que esses episódios foi o colete de forças em que os diversos representantes do poder tentaram meter os acontecimentos, antes e depois do dia 24, no sentido de encaixar a greve geral nos limites que eles acham aceitáveis quer para o movimento sindical quer para o protesto social em geral.
Logo no dia 25, o ministro da Administração Interna, ao mesmo tempo que dava apoio sem reservas à acção da polícia, elogiava o “comportamento ordeiro” da maioria dos grevistas e dos manifestantes que desfilaram em Lisboa.
Dias antes da greve, o presidente da CIP, em entrevista à SIC, dava o seu parecer positivo ao papel dos sindicatos – não tanto pelo seu papel reivindicativo, mas porque, dizia António Saraiva, seria pior se as greves e os protestos acontecessem sem aviso e sem controlo. Para o representante dos patrões, os sindicatos têm o papel, como ele mesmo disse, de “válvulas de escape”.
Dois dias depois da greve, na TSF, o comentador político Pedro Adão e Silva, ex-dirigente do PS, criticava o governo por não atentar nos sinais dados pela greve geral e dizia: “Se não se der alguma coisa ao movimento sindical, o movimento sindical perde a capacidade de representar o descontentamento social”. E para que todos percebessem o que entende por “representar o descontentamento social”, Adão e Silva propunha ao governo que fizesse um acordo com a UGT a fim de “não empurrar a UGT para os braços da CGTP e para a rua”.
(Esta posição de Adão e Silva, que foi subscritor do manifesto encabeçado por Mário Soares e divulgado na véspera da greve geral, tem além do mais a vantagem de mostrar o oportunismo grosseiro da corte de Soares. Diante da previsão de que a greve seria importante e, mais do que isso, de que os protestos de massas tendem a crescer, Soares e companhia, ao bom estilo do verão de 75, adiantam-se para tentar lavar a cara do PS e o recolocarem em posição de influenciar o movimento de protesto – da única maneira que a “esquerda democrática” sabe fazer: dividindo-o e dando-lhe uma feição “respeitável”. O que os faz assumir agora, depois de seis anos de socratismo em que não se ouviram, o papel de defensores da “multidão de aflitos e indignados” é apenas o receio de que o movimento social tome o freio nos dentes. Mas o “novo paradigma” que os move não passa de uma frase vazia.)
Combater estas posições não significa fazer apelo a actos de violência inconsistente, ou ficar refém de “minorias”, como querem fazer crer os publicistas do poder e a esquerda que teme a “desordem”. Nem que seja pelo facto de a violência de massas não se poder decretar e não decorrer de acções “exemplares”. A violência de massas, seja ela qual for, só pode ser determinada pela disposição e pelo grau de combatividade do movimento popular e deriva, antes de mais, da violência exercida pelo poder.
O que está em causa, no actual estado de coisas, é apelar a todos os trabalhadores para que não receiem enfrentar o poder – o poder dos patrões, do capital, do Estado. Importa dizer que a luta pelos direitos dos trabalhadores implica infringir os limites determinados pela ordem reinante. Aliás, como bem temos visto, é essa própria ordem a primeira a violar a lei e a derrogar direitos sempre que os seus interesses estão em causa.
Violência, em primeiro lugar, é a fome, o despedimento, a falta de saúde e de casa, bens de primeira necessidade mais caros e salários mais baixos, a par de fortunas colossais nas mãos de capitalistas e gestores do capital. Pôr em causa esta violência – que é permanente, por ser constitutiva da sociedade em que vivemos – implica atacar os fundamentos do sistema capitalista e da ordem por ele estabelecida.
É isto que a CIP, o MAI e os soaristas de todos os quilates pedem aos sindicatos que não façam. Aos trabalhadores, e aos dirigentes sindicais que verdadeiramente os querem defender, cabe rejeitar esse papel de controlo social – os legítimos direitos dos trabalhadores são para defender até à última com todas as consequências. Não é isso, de resto, que fazem os capitalistas com os seus próprios interesses?
O movimento sindical não pode permanecer em silêncio diante destes conselhos de controlo social vindos do capital – deveria responder-lhes vincando bem que o seu papel não é o de “válvula de escape” da indignação, mas sim o de impulsionar a luta social ditada pelas violências diárias a que os trabalhadores estão sujeitos.
Comentários dos leitores
•c a heitor da silva 10/12/2011, 1:12
Claro que subscrevo inteiro o texto acima: e entendo digno de realce o referente aos "Cavalos de Tróia" - UGT e dirigentes sucialistas - infiltrados no seio dos trabalhadores apenas com o intuito de os desviar do caminho certo na defesa dos seus interesses de classe.
O meu apoio portanto a este texto que, quanto a mim, constitui um bom contributo para a compreensão do processo em curso e do caminho correto a seguir
•A. Poeiras 12/12/2011, 11:13
o problema é que a "máquina sindical" cresceu e autonomizou-se. Hoje, os dirigentes sindicais defendem os interesses dos sindicatos (e dos partidos de cujas direcções fazem parte), os quais nem sempre coincidem com os dos trabalhadores.
Independentemente da sua origem, Carvalho da Silva não é um trabalhador mas um burocrata bem pago e sem risco de desemprego há anos convivendo com os patrões: interessa-lhe mais a saúde da economia que a dos trabalhadores despedidos ou com contratos de empresas sanguessuga, como é o caso das empresas de trabalho temporário; usa-os apenas como retórica. Outro aspecto da questão, prende-se com o próprio âmbito do sindicato.