Sobre o assassinato de bin Laden
A luta dos povos árabes fala mais alto
Manuel Raposo — 11 Maio 2011
“O mundo está mais seguro”, disse Durão Barroso acerca do assassinato de Ossama bin Laden fazendo-se eco de outras vozes do mesmo timbre.
O gáudio dos governos e das polícias ocidentais e a propaganda (vazia de sentido político, para entreter curiosos) sobre os detalhes da operação são uma nuvem de poeira que tende a esconder a real mudança que se está a dar no mundo árabe e muçulmano. Considerada esta realidade nas suas devidas proporções, não há razão para as potências imperialistas cantarem vitória.
O rosto do mal
Bin Laden foi a face escolhida pelos EUA para dar rosto ao “terrorismo sem pátria” e ao “fundamentalismo religioso”, pretextos que serviram ao imperialismo para prosseguir no plano mundial a guerra que antes levou a cabo sob a capa do “perigo comunista”. Serviu de instrumento prático para a invasão do Afeganistão e para prolongar uma ocupação que dura há dez anos. Foi também, em boa medida, argumento para a invasão do Iraque em 2003. Mas, saldando-se estas duas aventuras por um fracasso para os EUA, não apenas político como também militar, a eliminação de bin Laden representa fraco consolo para os centuriões de Washington.
No respeitante ao terrorismo, é preciso lembrar que 80% dos atentados ocorrem no chamado terceiro mundo e não nas metrópoles do capitalismo desenvolvido (ainda há dias o confirmou o “nosso” especialista em terrorismo José Manuel Anes). E, muito para além das consequências desses atentados, o principal terror sofrido pelas populações árabes e muçulmanas é o que lhes é infligido pelas operações militares imperialistas, com milhões (sim, milhões!) de mortos e de deslocados só no Iraque, no Afeganistão e na Palestina.
É revoltante, em face disto, ouvir Barack Obama afirmar, na linha do que diria George Bush, que com a execução de bin Laden “foi feita justiça”. Que isso possa satisfazer a vontade de desforra de muito norte-americano, talvez – mas esse não é argumento que convença os milhões de árabes e de muçulmanos vítimas não de bin Laden mas das tropas norte-americanas.
Também aqui não há que cantar vitória.
Quem dita o curso dos acontecimentos
Mas, mais do que tudo isto, os levantamentos populares nos países árabes mostram que não é (e não foi) o terrorismo da Al-Caida, nem o radicalismo religioso a maior ameaça para os países capitalistas ocidentais, particularmente para os imperialistas. O que os ameaça deveras é a onda de libertação que corre de Marrocos ao Paquistão. Milhões de pessoas que parecia não terem voz nem vontade própria exigem mudanças que os EUA e a União Europeia não esperavam e para as quais não têm resposta.
Massas populares que estavam arredadas da acção política – por ditaduras de décadas sustentadas pelas potências ocidentais – entraram em cena e ditam agora o curso dos acontecimentos. É aí que bate o ponto.
A simples democratização, mesmo relativa, dos regimes apoiados pelo imperialismo é um terramoto que altera por completo a relação de forças instalada há trinta, quarenta ou cinquenta anos nos países do norte de África e do Médio Oriente, e que as intervenções militares dos EUA e da NATO se encarregaram de estender ao sul da Ásia.
Efeitos palpáveis
A ainda pequena mudança operada no Egipto bastou para alterar os dados do chamado problema palestino (que é de facto o problema israelita…). A solidariedade da população egípcia forçou a abertura da fronteira sul de Gaza. E a unidade reclamada nas ruas pela juventude de Gaza e da Cisjordânia resultou num acordo entre as principais forças políticas palestinas com apoio egípcio. Israel perdeu em dois tabuleiros: o da aliança com a ditadura egípcia, que colaborava no cerco a Gaza; e o da divisão interna das forças palestinas.
No Iraque, desde Março que grandes protestos de massas em quase todas as cidades do país põem em causa o regime e a ocupação, não como alternativa à acções de luta armada, mas como seu complemento – o que potencia enormemente a resistência no seu conjunto.
No Paquistão, todos os dias há manifestações de ódio aos EUA protagonizadas por milhares de pessoas, que denunciam os actos de guerra conduzidos contra a população paquistanesa e a pressão política imperialista sobre o país, e que manifestam solidariedade com a resistência dos vizinhos afegãos contra a ocupação militar de que são vítimas há dez anos.
As próprias coutadas tidas por mais seguras do imperialismo europeu e norte-americano, como a Arábia Saudita e o Barém, são abaladas pela base.
A vontade de milhões de pessoas
Em nenhum destes casos a Al-Caida, ou sequer os “fundamentalistas religiosos”, tiveram qualquer papel nas sublevações populares e nas mudanças políticas que se estão a operar.
Os povos árabes (para já eles) estão a dar ao mundo uma lição de como enfrentar o poder, aparentemente imbatível, do imperialismo, da única maneira que sempre foi viável: a luta política assente na vontade de milhões de pessoas.
A manter-se este movimento popular e multinacional, nem mesmo as contra-revoluções promovidas pelos serviços secretos e pelas forças militares imperialistas na Líbia e na Síria conseguirão evitar que o balanço de forças, no plano global dos países árabes e muçulmanos, se altere em desfavor das potências europeias e norte-americana.
O mito de bin Laden e da Al-Caida, construído pelos EUA para proveito próprio, passou à História. Não pelo assassinato acompanhado em directo no gabinete de Barack Obama, mas porque as massas dos países árabes e muçulmanos falam mais alto. Hoje, só pode ser essa a preocupação central do imperialismo, atento como é às realidades.
Obama bem pode pensar (já que não o pode dizer abertamente) como o rei Pirro no final da batalha de Ascoli: “Mais uma vitória como esta e estamos derrotados”.
Comentários dos leitores
•António Poeiras 14/5/2011, 13:49
Li hoje que foi ontem apresentada queixa no TPI contra o Kadaffi, o filho e um outro cujo nome não recordo, por um ministro italiano (logo italiano, onde o respeito pela lei e a moral são irrepreensíveis). Objectivo: a emissão de mandados de captura!
Assim se torneia a necessidade de autorização da ONU para intervenção de tropas ocidentais no terreno: vão excutar o mandado do TPI! Simples mais simples não há.
O TPI está cada vez mais merdificado, cada vez mais claramente um meio de legalizar o afastamento de quem se tornar incómodo ou impecilho.