UE, EUA e NATO preparam intervenção militar na Líbia

Manuel Raposo — 12 Março 2011

sarkozy.jpgNão restam dúvidas de que está em preparação uma intervenção militar das potências ocidentais na Líbia. As declarações dos governantes franceses e britânicos, que conduzem a União Europeia para o conflito, a decisão já anunciada da NATO de colocar vasos de guerra nas costas líbias, a procura insistente de um aval da parte da ONU para criar uma zona de exclusão aérea (pressionando a Rússia e a China a deixar passar uma resolução nesse sentido) – são demonstrações de sobra do que está em curso. Importa denunciar esta agressão das forças imperialistas europeias e norte-americana e opormo-nos a esta nova guerra que visa os alvos de sempre e mais um: ocupar um país soberano e tomar conta dos seus recursos; e criar uma testa de ponte para desarticular as revoltas populares no mundo árabe. É isso que está em causa.

Dois pesos…

O comportamento dos EUA e da UE a respeito do levantamento popular na Líbia foi substancialmente diferente daquele que tiveram, e têm, a respeito do que se passa nos restantes países árabes. Essa diferença é reveladora dos propósitos do imperialismo não só quanto à Líbia mas quanto a todos os demais países em convulsão – e resume-se a isto: procurar manter sem grandes alterações os regimes que lhes são favoráveis e aproveitar para deitar abaixo os que o não são.

É notório que, nos casos do Egipto, da Tunísia, do Iémen, do Barém e agora da Arábia Saudita, a preocupação dos EUA e da UE tem sido a de procurar manter os regimes no poder, recomendando-lhes concessões democráticas a conta-gotas e apenas na medida necessária para conter os protestos. Diferente foi a atitude quanto à Líbia: aí o derrube do regime foi desde logo o objectivo.

O mesmo quanto ao “perigo islamita”. Insistentemente invocado a respeito das primeiras revoltas e agora a respeito do Barém e da Arábia Saudita (apesar de ser visível o sentido laico das revoltas e o fraco papel das organizações confessionais), tal “perigo” não é sequer invocado no caso da Líbia – quando, neste caso sim, é visível o papel das organizações religiosas e das correntes monárquicas no armamento e na condução das milícias.

…duas medidas

Em nenhum caso, a não ser no da Líbia, foi feita uma campanha de desagregação dos regimes por aliciamento de diplomatas e militares. Também só a respeito de Kadafi se lançou desde logo a acusação de “crimes contra a humanidade” e se pôs em campo o Tribunal Penal Internacional.

Apenas no caso líbio se diz que o regime ataca “o seu próprio povo” e se apresenta o poder como sanguinário, genocida, tirânico. Obama, Sarkozy, Cameron passam em silêncio os massacres cometidos contra populações desarmadas e manifestantes pacíficos (Tunísia, Egipto, Iémen, Barém, Arábia Saudita) e só no caso da Líbia se preocupam com “violações de direitos humanos” – quando aqui a luta se trava, em todo o caso, contra milícias armadas e por vezes bem armadas.

Nunca a NATO admitiu a hipótese de enviar vasos de guerra para as costas do Egipto, da Tunísia ou da Arábia Saudita em apoio dos manifestantes; ou os serviços secretos britânicos enviaram forças para ajudar a desbancar os regimes rejeitados pelas populações. Mas fizeram-no, sem rebuço, na Líbia.

Os ajudantes de campo

Também as autoridades e a diplomacia portuguesas, à escala da sua pequenez e da sua subserviência estrutural, se portaram com a mesma duplicidade. Mantiveram-se sempre, e mantêm-se ainda, na expectativa de que as revoltas da Tunísia, do Egipto, do Iémen, do Barém, da Arábia Saudita se esgotem sem ocasionar mudanças de fundo, não emitiram uma palavra de apoio a simples reivindicações democráticas – mas decretam agora, quanto à Líbia, a “ilegitimidade” do regime e fazem-se, em coro com os seus patronos, paladinos da mudança, nem que seja para as mãos dos herdeiros do rei Idriss!

O plano B

Os EUA e a UE esperavam que os revoltosos líbios fizessem por si o trabalho de derrubar Kadafi. Para isso, não hesitaram em dar impulso a uma guerra civil, em aliciar diplomatas e militares do regime a desertarem, em promover uma campanha pública de diabolização de Kadafi e do regime, em lançar até boatos de existência de armas de destruição em massa – à semelhança do que se assistiu a respeito de Saddam Hussein nos preparativos do ataque ao Iraque.
Mas, constatada a inferioridade militar dos revoltosos, e vendo as forças de Kadafi recuperarem terreno, trataram de pôr em marcha as suas próprias forças de intervenção. É para dar cobertura a uma agressão externa que estão em marcha todas as jogadas diplomáticas e militares a que se assiste nos últimos dias.

O alvo não é só a Líbia

Uma intervenção militar na Líbia não se limitará a submeter a Líbia. Para além de significar o controlo dos seus recursos energéticos, constituirá um aviso para todos os povos árabes em revolta e um apoio a todos os regimes amigos das potências imperialistas – criando condições para debelar ou reduzir ao mínimo as mudanças que as populações reclamam nas ruas. É portanto uma contra-revolução o que as potências imperialistas preparam por meio do seu braço armado, a NATO. E é também sob esse prisma que a intervenção deve ser denunciada e atacada.

A renovada aliança em acto

A UE, os EUA de Obama, a NATO (que renovou em Novembro em Lisboa, o pacto de sangue entre a UE e os EUA) estão afinal, com os preparativos de ataque à Líbia, a dar continuidade às guerras de Bush no Afeganistão e no Iraque. Não, agora, em resposta aos ataque de 11 de Setembro de 2001 e a pretexto do “combate ao terrorismo”, mas em resposta a sublevações populares que ameaçam pôr em causa o domínio, de décadas, do capitalismo ocidental sobre o Norte de África e o Médio Oriente.

Cabe aos povos árabes, mas também europeus e de todo o mundo, fazer frente a mais esta ofensiva – para que não se cumpra a sinistra ameaça feita em 2007 por Dick Cheney (o vice de Bush) de que os EUA estavam preparados para 40 anos de guerra desde o Afeganistão a Marrocos.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgonçalves 13/3/2011, 10:03

Com a degenerescência progressiva dos movimentos anti-imperialistas provocada pelo coexistência pacífica, e também, pela propaganda social-democrata de que o imperialismo deixou de existir, os povos directamente vítimas do saque e da expoliação colonial, têm uma certa dificuldade em encontrar um apoio incondicional nos outros países à luta que travam pela sua emancipação. Mau grado as contradições iinternas que são complexas e que assumem vária formas insuperáveis e, ainda por cima têm no seu seio a quinta-coluna do imperialismo bem organizada e com instrumentos poderosos em termos financeiros e militares, isso torna quase impossível a derrota do imperialismo nestes tempos mais próximos.
Se este ponto de vista corresponder à verdade, a melhor manifestação de solidariedade para com estes povos tem que decorrer da criação de condições de lutas a travar internamente nos países europeus contra os governos que na Europa estão de braço dado com o imperialismo, como é o caso do governo português. Poder-se-ia matar dois coelhos ao mesmo tempo, se as organizações de esquerda em vez de alertar as "consciências" as fizesse agir tendo como objectivo a sua própria libertação. Como isso não acontece, o imperialismo segue triunfante o seu caminho.

fernando lacerda 16/3/2011, 22:41

O problema é que poderão ocorrer centenas de mortos nos próximos dias, chacinados pela máquina de guerra de Kadhafi. Portanto, a questão é esta: como evitar esta chacina? Por mim, que estou com aqueles que querem o fim do regime opressor de Kadhafi e que enfrentam a morte, o urgente é encontrar o meio que páre a máquina de guerra que se aproxima dos revoltosos. Se a intervenção estrangeira, que sirva de tampão, e só apenas isso, de forma a evitar o esmagamento da revolta, for a solução, então que aconteça já. Caso contrário, será mais um basto cemitério a perturbar-me a consciência durante muito tempo.

John Catalinotto 19/3/2011, 10:50

O artigo e os argumentos são muito fortes.
Aqui nos Estados Unidos manifestámo-nos ontem contra o ataque dos imperialistas contra Libia e continuaremos lutando na nossa esquerda e no movimento pacifista pela condenação desta nova guerra. Esperamos que esta guerra seja demasiada para os imperialistas.


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