Debate sobre a acção nos sindicatos
Francisco d’Oliveira Raposo (*) — 14 Dezembro 2008
Publicámos nesta página, em 28 de Novembro, um artigo de Francisco Raposo, “Contra a privatização da recolha de lixos em Lisboa”, em que o autor dava conta da preparação da greve dos trabalhadores da Limpeza Urbana de Lisboa, que decorreu entre 8 e 11 de Dezembro. Martins, ex-sócio do STML, enviou um comentário em que perguntava “Porque é que o STML não marcou pelo menos um dia de greve para os restantes trabalhadores da Câmara?”. Francisco Raposo responde agora ao comentário de Martins.
Caro Martins
A resposta à tua questão creio que a poderás encontrar na tua própria pergunta.
Mas deixa-me dizer-te, para esclarecimento dos demais leitores do Mudar de Vida, que esta luta específica está a ser um exemplo de que um sindicalismo diferente – combativo, democrático e de massas – é possível.
Assim, e desde que recolhemos dados sobre a possibilidade de privatização, a Direcção do Sindicato, em estreita colaboração com a Comissão Sindical da Limpeza Urbana, encetou um plano de plenários locais em que foi colocada a questão: que fazer?
Foram os Plenários locais que delinearam os traços gerais da acção, foi o envolvimento directo dos trabalhadores que assegurou que as tentativas de intimidação e desmobilização se gorassem. Dois Plenários Gerais ratificaram as propostas e a Direcção deu corpo à decisão democrática da esmagadora maioria dos trabalhadores. Os dirigentes e delegados não foram mais do que representantes explícitos da vontade colectiva.
Assim, esta greve – e esta luta, uma vez que é possível que a luta não termine amanhã – é um exemplo que as lutas podem ser construídas a partir das bases e em articulação com as direcções.
Obviamente que muitos dos activistas envolvidos nesta luta têm críticas – e muito sérias críticas – à direcção sindical e, mais difusamente, à direcção do movimento dos trabalhadores. Mas entendem um ponto básico da luta que vêem da história do movimento dos trabalhadores: a unidade é o ponto fundamental para assegurar as melhores condições para uma vitória.
Neste momento, no quadro da realidade concreta do Município de Lisboa, com todas as deficiências e insuficiências que tem – e nas quais, como dirigente, assumo a minha quota-parte de responsabilidade – o STML é a organização de classe que tem efectivamente defendido os interesses colectivos dos trabalhadores da CML e das Empresas Participadas.
A tendência existente entre alguns sectores de “decretar” a morte dos sindicatos, a criação de estruturas “alternativas”, esconde apenas a incapacidade de alguns em defender sindicatos combativos e democráticos, entre a massa dos associados e no confronto de ideias com as direcções burocratizadas.
Este é um fenómeno que percorreu alguns países na Europa e já passou…mas como em tudo, só agora chegou a este “cantinho à beira mar plantado”.
À medida que a crise global do capitalismo mostra as suas garras, também no movimento sindical sectores consequentes agregam muitos jovens que se iniciam na luta sindical e disputam as lideranças que não oferecem alternativa de luta. Talvez o exemplo mais marcante seja a perda de controlo, por parte do Partido Trabalhista, de 3 dos 5 maiores sindicatos do Reino Unido: o PCS (serviços Públicos), o RMT (Ferroviários) e o FBU (bombeiros).
Aqui, as batalhas são nos bastidores e, infelizmente, as linhas de força da “oposição” são a “concertação social” e o sindicalismo “de resultados”.
É contra isto que sempre batalhei e continuarei a batalhar: com os activistas críticos e os que assumem a luta de massas e de classe como motor de transformação COLECTIVA da sociedade, partindo de reivindicações económicas mas sem esquecer que qualquer vitória económica dos trabalhadores será sempre efémera enquanto o poder estiver nas mãos do Capital.
E este é um desafio que deixo aos leitores do MV: intervenham nos vossos sindicatos, participem, envolvam outros, questionem as direcções quando necessário, organizem a luta, mas defendam sempre, e o mais que puderem, a unidade de acção nos sindicatos.
(*) dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa
Comentários dos leitores
•martins 15/12/2008, 14:33
Ainda bem que o STML está a consultar os trabalhadores nos locais, mas isso só não chega. Os trabalhadores filiados devem ir ao sindicato e debaterem com a "direcção" aquilo que pretendem. Esse não foi hábito praticado pelo o sindicato desde o seu início e agora os trabalhadores só vão ao sindicato para receberem a prenda no natal e pouco mais. A direcção peca porque está fechada entre portas e não consegue libertar-se da burocracia e enquanto estiver na CGTP nunca vai libertar-se do jogo reformista em que está enfeudada.
•Francisco d'Oliveira Raposo 21/12/2008, 17:35
Caro Martins
Creio que os leitores do Mudar de Vida têm o direito a não serem desinformados.
A tua afirmação é absolutamente gratuita e tu sabe-lo bem.
Com todas as dificuldades e deficiências decorrentes da cultura sindical dominante, o STML tem orgulho num histórico de reuniões nos locais de trabalho, de mobilizações nas bases, de eleições democráticas de delegados sindicais.
O retracto que fazes é, no caso do STML, absolutamente falso!
Efectivamente a direcção - e a rede de delegados sindicais - têm consistentemente reunido nos locais de trabalho, mesmo quando, e no teu local isso é patente, as expectativas de participação são diminutas.
Por semana muitas dezenas de trabalhadores contactam a direcção e os delegados sindicais para esclarecimentos, denúncias e críticas.
Dizes que os trabalhadores só vão ao sindicato para a prenda de Natal e pouco mais. O pouco mais, neste últimos tempos, poderá ser visto, por exemplo, nas mobilizações dos trabalhadores das Bibliotecas, a acção dos coveiros contra a prepotência de uma das empresas funerárias e por condições dignas de segurança, higiene e saúde, a mobilização dos cantoneiros contra a tentativa de intimidação de trabalhadores que, cumprindo os regulamentos de segurança, recusaram-se a trabalhar sem equipamentos de protecção, a mobilização dos precários - com duas assembleias de precários com mais de 200 pessoas -, a negociação , com sucesso - e num contexto de sistemática recusa à contratação colectiva -, do Acordo de empresa da EGEAC e a greve vitoriosa dos trabalhadores da DHURS contra os planos de privatização.
Também, nas últimas grandes manifestações nacionais a delegação do STML tem vindo consistentemente a alargar, com o pico na manifestação da Cimeira de Lisboa (cerca de 1000 trabalhadores) e destaque para a Manifestação da Administração Pública de dia 30, com cerca de 700 trabalhadores.
É deste pouco mais que estamos a falar.
Claro que nos contactos existentes há vozes críticas e até muito críticas. E a nossa resposta é ouvir e retirar lições. Claro que nem todos os dirigentes - e já agora os trabalhadores que querem informar-se e mobilizar-se - aguentam críticas fora do contexto, "bota-abaixo" e injustas.
Mas a verdade é que, nos últimos tempos, as críticas têm sido feitas de forma a reforçar a acção colectiva reivindicativa, preservando aquilo que deve ser sagrado no sindicalismo: a unidade dos trabalhaores com objectivos concretos de luta.
Quanto à filiação na CGTP, fica por demonstrar que a solução é constituir outras estruturas. A verdade é que os "críticos" ou são defensores da conciliação de classes, isto é, ainda mais reformistas que a actual direcção - e esses têm cobertura nos mass média capitalistas - ou pugnam por um silêncio ensurdecedor. Há depois os que, no raio de acção directa a que têm acesso, tentam influenciar numa perspectiva mais consequente novos e velhos activistas sindicais com uma perspectiva mais radical que a existente, com base na experiência colectiva das lutas que travamos.
É por isso, que a Direcção do STML foi crítica em relação à direcção da CGTP quando, na sequência da Manifestação da Cimeira de Lisboa, a direcção executiva da Central não deu o passo, que consideramos lógico de delinear um plano de construção de uma Greve Geral contra as alterações à Legislação Laboral.
Mas simplesmente não se fazem omeletes sem ovos, nem se fazem sindicatos sem programas de luta.
Até à data o STML tem representado os interesses e anseios dos seus associados e dos demais trabalhadores da CML. E é por isso que está a atrair uma nova geração de sindicalistas. É nisso que aposto.
Declarações anti-reformistas e anti-burocráticas só têm consistência com trabalho de construção sindical democrático, combativo e de classe.
Fraternalmente
Francisco d'Oliveira Raposo