Contra a privatização da recolha de lixos em Lisboa
Trabalhadores da Limpeza Urbana da CML defendem o serviço público e preparam greves entre 8 e 11 de Dezembro
Francisco d'Oliveira Raposo (*) — 28 Novembro 2008
Várias foram as falsas partidas num projecto longamente acarinhado pelos capitalistas: abocanhar os lixos da cidade, já que este é um dos sectores mais lucrativos e há especialistas que o apontam, juntamente com a água, como o “negócio do futuro”.
Mas desta vez, na sequência de várias declarações em reuniões do famigerado “Orçamento Participativo” e outras, António Costa respondeu aos munícipes que se queixavam da falta de limpeza da cidade com sinais de que haveria mudanças. E as mudanças parecem estar a chegar: António Costa, anunciou na sessão da CML de 29 de Outubro que a Baixa Pombalina vai ser adjudicada a terceiros. Motivo: falta de pessoal para todas as frentes de trabalho. E eis que aí está!
Planos de privatização
Para já será a Baixa Pombalina a ser adjudicada a terceiros. E a empresa que faz a varredura e lavagem do Parque Expo terá a sua área de operação estendida à freguesia de Santa Maria dos Olivais.
Mas há estudos que indicam como passíveis de passar aos privados não só a Baixa Pombalina mas também a Av. Da Liberdade, a Av. Fontes Pereira de Mello, a Av. Da República e o Campo Grande.
Para além disso, e num amplo “gesto democrático” a CML quer celebrar protocolos com 3 freguesias, uma de cada cor: Benfica (PSD), Marvila (PS) e Alcântara (PCP), para a transferência de competências nesta área.
A julgar pelas experiências de protocolos com Juntas de Freguesia no âmbito dos jardins, está-se mesmo a ver que é uma maneira indirecta de entalar as Juntas, que acabarão por fazer a concessão a privados.
Duas ameaças
E isto tudo representa duas ameaças concretas e reais.
Primeira ameaça: as alterações anti-laborais verificadas no sector público põem em risco os postos de trabalho no sector: cantoneiros de limpeza, motoristas, técnicos e administrativos, bem como os operários da manutenção mecânica que essencialmente operam para as viaturas da Limpeza Pública. Assim, mesmo que de imediato os trabalhadores sejam transferidos para áreas “carenciadas de recursos humanos” que, segundo a CML, serão o Bairro Alto, Alfama, Castelo – enfim, os bairros históricos, que nenhuma empresa de juízo quer limpar – no final do próximo ano, quando elaborar o Mapa Anual de Pessoal, a CML pode perfeitamente chegar à conclusão que tem gente a mais e proceder à eliminação de postos de trabalho!
Segunda ameaça: as famílias trabalhadoras e as pequenas empresas de Lisboa ficaram sujeitas a um serviço gerido para o lucro que, obviamente, irá usar de taxas para ir buscar aquilo que está no cerne das empresas capitalistas: o lucro ou , como neste caso, renda. Ou seja, as famílias trabalhadoras pagarão não só serviço de limpeza urbana com os lucros que as empresas definirem.
É por isso que a defesa do serviço municipal público de limpeza urbana é do interesse imediato dos trabalhadores do sector, mas também das famílias trabalhadoras que vivem em Lisboa.
Que respostas?
Resposta dos Vereadores, rigorosamente todos, os da situação (PS e BE) e os das oposições na sessão de Câmara: silêncio.
Resposta alternativa: abram as vagas necessárias, equipem os serviços adequadamente, os serviços públicos são para defender.
Trabalhadores mobilizam-se
É nesse sentido que os trabalhadores do sector e o Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa se mobilizam para preparar a resistência.
O Secretariado da Comissão Sindical da Limpeza Urbana, conjuntamente com a Direcção do Sindicato, elaboraram um plano de esclarecimento, mobilização e luta para travar as privatizações, defender os postos de trabalho e o serviço público.
Assim, realizaram-se reuniões gerais de trabalhadores na sede do Departamento de Higiene Urbana e Resíduos Sólidos que envolveu a brigada de obras, a lavandaria, os serviços administrativos e técnicos, nas 8 zonas de Limpeza Urbana e na garagem de remoção. Nestas reuniões, os trabalhadores foram informados e convidados a alterar, melhorar ou contrapropor planos de acção para dar resposta a anúncio de privatização.
A culminar este processo de mobilização e consulta, realizou-se no dia 19 um plenário de trabalhadores da DHURS do período nocturno, com mais de 300 trabalhadores presentes; e no dia 20 um novo plenário para os trabalhadores da DHURS a que se juntaram os trabalhadores dos Jardins e Espaços Verdes – sector este onde a CML, através do vereador do pelouro, o “Zé que faz falta”, está a implementar um ambicioso processo de privatização – que juntou mais de 500 trabalhadores.
Nestes plenários foi aprovada uma moção que exige financiamento adequado, a abertura de concursos para suprir as necessidades de pessoal e a defesa dos serviços públicos.
Foi também aprovado por aclamação uma proposta de uma série de greves entre os dias 8 a 11 de Dezembro dos trabalhadores da limpeza urbana.
Isto também é com os Lisboetas
O STML está também empenhado em informar e debater com a população a necessidade da defesa dos serviços públicos e vai lançar um blogue para promover esse debate.
É fundamental que os trabalhadores que vivem e trabalham em Lisboa, as suas famílias, entendam e apoiem activamente os motivos dos trabalhadores da CML, já que, a haver uma forte adesão às greves – que esperamos e pela qual lutamos – Lisboa sentirá necessariamente os efeitos nas ruas e não faltará então quem agite o papão da saúde pública para virar a população contra os trabalhadores.
Os trabalhadores da Limpeza Urbana de Lisboa têm orgulho no seu trabalho que tem sido reconhecido interna e externamente como de boa qualidade, pese embora a manifesta falta de financiamento adequado, de condições de trabalho dignas e seguras e a falta de recursos humanos.
Sabem, como a CML sabe, que com esses pressupostos garantidos será sempre mais barato o serviço ser público que privado. Por exemplo, os dados disponíveis no sector dos espaços verdes é que o trabalho efectuado pelos trabalhadores da CML é 4 vezes mais barato e de muito melhor qualidade do que o realizado pelas empresas concessionárias.
É por isso que convido os leitores do Mudar de Vida em Lisboa a manifestarem a sua solidariedade para com os trabalhadores da Limpeza Urbana de da Câmara Municipal de Lisboa.
(*) dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa, a título pessoal
Comentários dos leitores
•martins 2/12/2008, 11:35
Claro, o que a Câmara pretende, e é um sonho antigo que data do tempo de Abecassis, é privatizar a recolha do lixo e dar a concessão aos amigos privados que já estão no sector.
Os trabalhadores da limpeza, técnicos administrativos, etc., correm o risco de ser despedidos.
Mas, o STML porque é que não marcou pelo menos um dia de greve para os restantes trabalhadores da Câmara?
Claro que em Portugal não há esse hábito de lutar por outros trabalhadores, porque os actuais sindicatos se renderam e em muitos casos estão feitos com o poder e decidem todos no segredo dos deuses, e por este andar o actual sindicalismo está a definhar e a perder força.
Um ex-sócio do STML
•Francisco d'Oliveira Raposo 10/12/2008, 22:37
Caro Martins
A resposta à tua questão creio que a poderás encontrar na tua própria pergunta.
Mas deixa-me dizer-te, para esclarecimento dos demais leitores do Mudar de Vida, que esta luta específica está a ser um exemplo de que um sindicalismo diferente – combativo, democrático e de massas – é possível.
Assim, e desde que recolhemos dados sobre a possibilidade de privatização, a Direcção do Sindicato, em estreita colaboração com a Comissão Sindical da Limpeza Urbana, encetou um plano de plenários locais em que foi colocada a questão: que fazer?
Foram os Plenários locais que delinearam os traços gerais da acção, foi o envolvimento directo dos trabalhadores que assegurou que as tentativas de intimidação e desmobilização se gorassem. Dois Plenários Gerais ratificaram as propostas e a Direcção deu corpo à decisão democrática da esmagadora maioria dos trabalhadores. Os dirigentes e delegados não foram mais do que representantes explícitos da vontade colectiva.
Assim, esta greve – e esta luta, uma vez que é possível que a luta não termine amanhã – é um exemplo que as lutas podem ser construídas a partir das bases e em articulação com as direcções.
Obviamente que muitos dos activistas envolvidos nesta luta têm críticas – e muito sérias críticas – à direcção sindical e, mais difusamente, à direcção do movimento dos trabalhadores. Mas entendem um ponto básico da luta que vêem da história do movimento dos trabalhadores: a unidade é o ponto fundamental para assegurar as melhores condições para uma vitória.
Neste momento, no quadro da realidade concreta do Município de Lisboa, com todas as deficiências e insuficiências que tem – e nas quais, como dirigente, assumo a minha quota-parte de responsabilidade – o STML é a organização de classe que tem efectivamente defendido os interesses colectivos dos trabalhadores da CML e das Empresas Participadas.
A tendência existente entre alguns sectores de “decretar” a morte dos sindicatos, a criação de estruturas “alternativas”, esconde apenas a incapacidade de alguns em defender sindicatos combativos e democráticos, entre a massa dos associados e no confronto de ideias com as direcções burocratizadas.
Este é um fenómeno que percorreu alguns países na Europa e já passou…mas como em tudo, só agora chegou a este “cantinho à beira mar plantado”.
À medida que a crise global do capitalismo mostra as suas garras, também no movimento sindical sectores consequentes agregam muitos jovens que se iniciam na luta sindical e disputam as lideranças que não oferecem alternativa de luta. Talvez o exemplo mais marcante seja a perda de controlo, por parte do Partido Trabalhista, de 3 dos 5 maiores sindicatos do Reino Unido: o PCS (serviços Públicos), o RMT (Ferroviários) e o FBU (bombeiros).
Aqui, as batalhas são nos bastidores e, infelizmente, as linhas de força da “oposição” são a “concertação social” e o sindicalismo “de resultados”.
É contra isto que sempre batalhei e continuarei a batalhar: com os activistas críticos e os que assumem a luta de massas e de classe como motor de transformação COLECTIVA da sociedade, partindo de reivindicações económicas mas sem esquecer que qualquer vitória económica dos trabalhadores será sempre efémera enquanto o poder estiver nas mãos do Capital.
E este é um desafio que deixo aos leitores do MV: intervenham nos vossos sindicatos, participem, envolvam outros, questionem as direcções quando necessário, organizem a luta, mas defendam sempre, e o mais que puderem, a unidade de acção nos sindicatos.
Francisco d'Oliveira Raposo
dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa