Ninguém é ilegal!
Vigília no Porto de solidariedade com os imigrantes marroquinos expulsos
Reunião marcada para dia 28 volta a debater a situação
António Cunha — 24 Janeiro 2008
Por volta das 15h30 do dia 23, soara o alarme. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras preparava-se para, ainda nessa tarde, proceder à deportação de mais alguns dos imigrantes detidos no Espaço de Acolhimento de Estrangeiros e Apátridas, Unidade de Santo António, no Porto. Os que chegaram ao local cerca das 16h30 não viram sair ninguém. Por volta das 18h00, a advogada de alguns dos detidos informou que já só estavam seis marroquinos dentro do Centro de Instalação Temporária do SEF. A deportação vespertina já tinha tido lugar.
Cerca das 18h30, umas três dezenas de pessoas estavam junto ao portão de entrada do Centro, no seguimento de um apelo para uma vigília decidida na noite anterior, no seguimento das notícias sobre as primeiras operações secretas, e ilegais, de deportação. Distribuíamos um folheto, também ele definido em cima da hora, onde se questiona o ministro sobre as políticas de imigração europeias e onde exibíamos uma faixa com os dizeres: “Ninguém é ilegal”.
A vigília durou cerca de duas horas. Por volta das 20h30, o deputado do BE José Soeiro tentou visitar os imigrantes para lhes entregar as mensagens recolhidas entre as pessoas que se manifestavam. Foi-lhe dito que eles já estavam a dormir.
Cá fora, a assembleia dos presentes decidiu marcar uma reunião para a próxima segunda-feira, dia 28 de Janeiro, na Casa Viva (Pç Marquês de Pombal, 167, Porto) para programar e preparar uma manifestação para o dia 9 de Fevereiro, onde se exija a alteração desta lei criminosa que protege de facto as redes mafiosas de tráfico de migrantes, onde se denuncie a brutalidade da actuação do governo português neste caso concreto e onde, enfim, se pugne por esse direito fundamental que é o da livre circulação de seres humanos, sem esquecer que as migrações têm causas e que, essas sim, devem ser alvo de combate internacional. Consigamos que a miséria e a fome se transformem em memórias do passado e poderemos deitar as fronteiras ao lixo.
Antes de desmobilizarmos, subimos a rua e, em frente ao bloco onde eles estão detidos, tentámos comunicar. Obtivemos resposta. Durante cerca de cinco minutos, conversámos com eles, fizemos-lhes sentir que havia gente solidária, sorrimos ao ouvir o seu “Obrigado”. Findo esse tempo, eles terão sido calados, mas puderam-nos ouvir durante mais alguns minutos até que a polícia nos impediu de prosseguir.
Comunicado distribuído
A vigília, convocada por diversas associações (AACILUS, Casa Viva, Gaia, Olho Vivo, Que Alternativas, Solim, SOS Racismo e Terra Viva), difundiu um comunicado que, além de denunciar o repatriamento, sublinhava que estes imigrantes “foram expulsos do seu país pela pobreza” e no nosso “foram recebidos como criminosos, presos num centro de detenção, privados de liberdade”.
O texto lembra que tais pessoas “são vítimas das redes de tráfico” quando “apenas procuram uma vida melhor”, e faz o paralelo com os muitos portugueses que procuraram e continuam a procurar melhor vida noutros países. Conclui acusando a atitude do governo português de “criminosa” uma vez que “devolve os imigrantes à miséria e às redes de imigração ilegal”, que assim se sentem incentivadas.
O pseudo-humanismo do sr. ministro Rui Pereira
O ministro da Administração Interna, Dr. Rui Pereira, considera ter tomado a decisão correcta quanto à expulsão dos marroquinos detidos no Porto e que o fez em nome de valores humanistas. “Uma política que não distingue a imigração legal da imigração ilegal é uma política que, a prazo, está condenada ao fracasso e que, paradoxalmente, acaba por fomentar o próprio tráfico de pessoas”, justificou.
O Ministério da Administração Interna e o Serviço de Estrangeiros geriram a situação de forma pouco clara. Evitaram o esclarecimento sobre a situação dos detidos, chegando-se a falar de segredo de justiça, e apressaram-se a expulsá-los sem sequer informar pelo menos uma das advogadas que acompanha o processo.
Perante a forma como todo o processo foi conduzido e a iminência de expulsão dos restantes imigrantes, o conjunto de associações que convocou a vigília colocou ao sr. ministro as seguintes questões:
Foram os cidadãos marroquinos informados acerca do direito que lhes assiste de requererem autorização de residência por serem vítimas de tráfico ou de auxílio à imigração ilegal (art.109.º da Lei de Estrangeiros), dando-lhes a protecção adequada e a possibilidade de colaboração em investigação relativa às acções de tráfico de seres humanos e auxílio da imigração ilegal?
Isso, sim, representaria o cumprimento da Lei e seria uma actuação pautada por valores humanistas, pois impediria que estes imigrantes, estas pessoas concretas, voltem a colocar a sua vida em risco.
Quais as possibilidade reais que são disponibilizadas pelo nosso país e pelos restantes países da UE com vista a permitir oportunidades de imigração legal a estes e tantos outros marroquinos, a estes e tantos outros africanos, a estes e tantos outros cidadãos “extra-comunitários”?
Poucas ou nenhumas. Ou pensa o sr. ministro que as pessoas arriscam a sua vida em pateras por gosto?
Na verdade, as declarações do sr. ministro são pura demagogia. O que a experiência tem demonstrado é que a repressão e securização das fronteiras só tem resultado no total desrespeito pelos direitos humanos e não tem resolvido o problema da imigração clandestina. Só tem agravado os seus contornos.
Comentários dos leitores
•João Machado 26/1/2008, 1:04
Constou que alguns imigrantes colaboraram com as autoridades denunciando as redes que controlaram a sua vinda até ao nosso país, pondo inclusive em risco as suas vidas. Entretanto já foram devolvidos, ou vão ser devolvidos ao país de onde vieram. Que lhes vai acontecer? Os chefes das redes vão obviamente retaliar sobre eles. Isto não passou pela cabeça das autoridades portuguesas? Ou será que lhes é indiferente?
•JDias 26/1/2008, 13:06
Claro que ninguém é ilegal. O sistema actual que fomenta a escravatura sim, este é que é ilegal. Todos os povos tem o direito a procurar uma vida melhor. Não foi isso que os portugueses fizeram?