28,57% de uma vida em Guantânamo
João Bernardo — 6 Fevereiro 2008
Há muito tempo atrás, quando eu era jovem, houve uma considerável vaga internacional de protestos porque a Pide, num dos mais vastos ataques dirigidos contra o sector estudantil do Partido Comunista, incluiu entre os detidos o José Augusto, aluno de liceu com catorze anos de idade. Como era menor, no entanto, o José Augusto não cumpriu pena nem em Caxias nem em Peniche e mandaram-no para a Tutoria, onde creio que foi tratado com benevolência porque os directores da instituição não tinham ficado satisfeitos com a função de polícias políticos que o salazarismo lhes atribuíra.
A imagem do José Augusto veio-me à memória ao ler um despacho da Associated Press com data de 4 de Fevereiro informando que o tribunal militar da base de Guantánamo se reuniu para ouvir um protesto dos advogados de defesa do canadiano Omar Khadr, preso há seis anos atrás no Afeganistão sob a acusação de ter lançado uma granada contra as tropas invasoras e ter morto um sargento norte-americano. Alegam os advogados que isto se passou durante um recontro militar, porque quando foi capturado Khadr apresentava ferimentos de shrapnel no peito e havia sido alvejado por dois tiros nas costas. Por outro lado, os advogados salientam que Khadr tinha apenas quinze anos quando ocorreram os factos que o levaram a ser classificado pelas autoridades dos Estados Unidos como «combatente inimigo» e acusado de crimes de guerra. Como ele tem vinte e um anos agora, faço as contas e verifico que passou 28,57% da sua curta vida em cárceres norte-americanos.
A questão é que o fascismo português, valha a verdade, nunca pretendeu ser uma democracia, e numa célebre entrevista Salazar fez a apologia de «meia dúzia de safanões a tempo» (António Ferro, Salazar. O Homem e a sua Obra, Empresa Nacional de Publicidade, 1933, pág. 82), enquanto os sucessivos governantes de Washington não só pretendem que são democratas mas ainda se empenham em exportar para o resto do mundo a sua noção de direitos humanos.