Um orçamento brutal, a caminho do liberalismo económico puro e duro

Pedro Goulart — 26 Outubro 2011

vgaspar.jpgCorte nos subsídios de Natal e férias dos funcionários públicos e dos pensionistas, acréscimo do trabalho não pago (por via de mais meia hora de trabalho diário e de cortes nos feriados), forte alteração na estrutura do IVA, subida do IMI e do IRS, menos dinheiro para a saúde (menos 710 milhões de euros) e educação (menos 864 milhões de euros), estes alguns dos mais brutais ataques aos trabalhadores e ao povo inscritos no OE para 2012.
O Orçamento de Passos Coelho vai muito mais longe que as exigências da troika no esbulho de parte significativa do rendimento das classes trabalhadoras e do povo, pretendendo reduzir os custos de contexto do trabalho e, assim, aumentar a taxa de mais valia extorquida pelos capitalistas. E visa, também (outro dos vectores principais da actuação do governo), alterar substancialmente o peso relativo dos chamados sectores público e privado. Nomeadamente nos campos da saúde, educação e segurança social, sectores onde as medidas gravosas mais se fazem sentir.

A política do capital expressa neste OE enquadra a projectada privatização da quase totalidade das empresas do Estado, assim como a disposição de fazer tábua rasa das conquistas e direitos dos trabalhadores obtidos nas últimas décadas. E a pretensão governamental de aumentar em meia hora diária o horário de quem trabalha é mais um passo no sentido da total flexibilização do mercado de trabalho, tão desejada pelo patronato.

Há quem ainda se espante com a “coragem” das decisões tomadas por este governo. Ora, elas apenas dão continuidade e procuram aprofundar a política anteriormente seguida por Sócrates e pelo seu ministro das finanças. Outra política não seria de esperar de um governo (o de Passos Coelho) que, além de claramente ao serviço do capital, é orientado pelas ideias do liberalismo económico da Escola de Chicago, ideias que, aqui há umas décadas atrás, tiveram alguma aplicação prática no Chile, de Pinochet, e nos EUA, de Reagan. Embora em contextos económicos e políticos totalmente diferentes dos actuais.

Mesmo de um ponto de vista capitalista, as medidas extremas propostas pelo actual orçamento não conseguem reerguer a economia, sendo já numerosas e contundentes as críticas provindas de vários teóricos e políticos do sistema. Mas Passos Coelho é um crente dessas ideias e Vítor Gaspar, o actual ministro das finanças e elemento decisivo na elaboração do OE, um teórico e apóstolo desta Escola.

Do ponto de vista das classes trabalhadoras, não se trata de dar conselhos a um governo da burguesia ou de procurar melhorar um orçamento elaborado sob a direcção do patronato. As medidas e os objectivos deste Orçamento só podem gerar o mais forte repúdio das classes exploradas e um decidido combate de classe.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgonçalves 27/10/2011, 10:22

Este artigo, embora não queira admitir, implicitamente, exprime a incapacidade das classes trabalhadoras em contrariar a política deste governo num momento de crise bastante aguda do capitalismo europeu. Por isso, as medidas de baixar custos, reduzir despesas e aumentar as receitas do Estado não podem surpreender se tiverem que ser realizadas à custa dos rendimentos do trabalho dos diversos sectores da sociedade.
O que está aqui em causa e certos sectores da esquerda marginal e anti-sistema se recusam a ver, é a forma de contestação que as actuais direcções políticas e sindicais que representam os interesses dos travbalhdores aplicam nas seus combates ao governo do capital. E ao recusarem meditar sobre esta crua realidade acabam por se perder em generalidades mais ou menos panfletárias que dada a sua vacuidade se arrastam também elas na voragem da decadência e agonia social para a qual não encontram forma de a poder conjurar.
A crise é muito profunda mas Maquiavel não foi esquecido pelos competentes quadros do capital e quem não tem unhas não pode tocar guitarra...

A. Poeiras 2/11/2011, 10:16

A receita da "escola de Chicago", tornada religião a partir do momento em que os partidos da social-democracia a ela aderiram alegremente, tem sido usada como principal instrumento de dominação do capital financeiro, com resultados desastrosos tanto sociais como políticos: perda de poder dos cidadãos (desmantelamento dos sindicatos, controlo absoluto dos grupos económicos sobre a imprensa, controlo absoluto dos aparelhos partidários, ...), guerra civil generalizada à escala planetária, empobrecimento generalizado da maioria dos cidadãos (o rol das malfeitorias é extenso).
Há agora uma prova de fogo importante, o referendo grego: o bombardeamento ideológico, a retórica da inevitabilidade, do caos, do fim do euro, da morte da união europeia, lançará sobre a cabeça dos gregos a ira de todos os lacaios do mundo.
Os burocratas de Bruxelas dirão que os cidadãos gregos serão, eles e só eles, responsáveis pelo advento das sete pragas do Egipto sobre a europa, que eles e só eles serão responsáveis pelo caos económico, pelo armagedão,...
E os bobis e os tarecos da imprensa aí estarão para o garantir.


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