Serviço Nacional de Saúde debaixo de fogo
Mobilização popular na Margem Sul fez recuar o governo
Pedro Goulart — 23 Junho 2010
O ataque ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), ataque que já tem uma negra história, prossegue hoje com maior intensidade, cavalgando as dificuldades financeiras atribuídas à “crise”. Isto, num momento em que as restrições orçamentais se traduzem na falta de contratação de médicos, enfermeiros e pessoal administrativo indispensável. E em que são longas as esperas por consultas de especialidade e por intervenções cirúrgicas que requerem urgência.
Ainda recentemente, já em Junho, e para poupar dinheiro com a saúde, o governo decidiu cortar as urgências pediátricas em Setúbal e no Barreiro, durante três meses – dizia-se – e concentrá-las em Almada, obrigando a longas deslocações de muitos dos utentes. A forte denúncia e mobilização popular à volta deste problema, na Margem Sul, assim como a disponibilidade revelada pelos médicos para resolver o assunto, conseguiram fazer recuar o Ministério da Saúde.
Porta-vozes dos interesses capitalistas (gestores, colunistas dos media, dirigentes políticos da direita, ministros) têm recorrido aos mais diversos pretextos e usado as mais diversas camuflagens, procurando, também aqui, impor os sacrossantos valores do “mercado” sobre o direito à saúde da generalidade dos portugueses. Apesar de, até agora, ainda não terem conseguido provar que a privatização deste sector seja capaz de trazer melhores serviços de saúde ou custos mais reduzidos para os trabalhadores e o povo. Percebe-se o recrudescimento actual do ataque, devido aos muitos milhões de euros em jogo.
A eventual vitória destes negociantes da saúde traduzir-se-ia em mais um golpe profundamente desumano (a juntar a tantos outros) desferido sobre os trabalhadores e os pobres.
Aliás, os sentimentos humanos da gente deste tipo ainda há bem pouco tempo foi posta à prova nos EUA, quando Obama procurou estender o direito à saúde a milhões de norte-americanos que até então não tinham tido esse direito. Os mesmos que mataram nas guerras assassinas do Iraque ou do Afeganistão, ou que com elas têm sido cúmplices durante estes anos, ulularam nas ruas dos EUA (e, também, no Senado e na Câmara dos Representantes), protestando violentamente contra a reforma.
Em Portugal, já hoje, hospitais, clínicas privadas e laboratórios de análises absorvem anualmente parte significativa dos gastos com a saúde, mas o capital pretende mais, muito mais. Em 2008, dos gastos totais, foram pagos 15% ao sector privado. Só os três maiores grupos do sector facturaram 527 milhões de euros: Grupo Mello, 280 milhões; Espírito Santo Saúde, 184 milhões; Hospitais Privados de Saúde (do Grupo Caixa Geral dos Depósitos), 63 milhões. Segundo Isabel Vaz, Administradora da Espírito Santo Saúde, o mercado do sector privado já valia então entre 700 e 800 milhões por ano.
Com a manutenção do governo de José Sócrates e Passos Coelho (este afirmou ainda recentemente que a saúde tendencialmente gratuita é irreal) e as enormes pressões (internas e externas) dos representantes do capital, tudo é possível acontecer. Caso não haja uma grande mobilização e forte determinação de luta dos explorados e oprimidos deste país contra as classes opressoras e os seus governos.
Comentários dos leitores
•António Poeiras 23/6/2010, 17:33
O duplo pretexto para o ataque aos serviços públicos e à segurança social (necessidade de equilíbrio das contas públicas e maior racionalidade dos serviços, tudo embrulhado na invocação do bem público) esconde o essencial: há muitos anos que a produção de bens materiais não garante ao Capital o necessário crescimento de pelo menos 3% ao ano - o consumo privado não aguenta mais, temos as casas atafulhadas de inutilidades. Daí que duas necessidades se tenham tornado imperiosas para a sobrevivências dos regimes, tornar os indivíduos consumidores compulsivos e abrir ao Capital todas as áreas da vida social e política, mesmo aquelas que ainda há pouco tempo eram vistas como áreas de exclusiva intervenção do estado, como a justiça e a violência.