EUA: um orçamento de guerra da era Obama
Manuel Raposo — 12 Abril 2010
O orçamento norte-americano para 2011, que entra em vigor em Outubro próximo, foi apresentado pela Administração Obama em inícios de Fevereiro. A proposta suspende muitos dos gastos correntes, mas não todos. A Defesa vai beneficiar de mais 2%, atingindo o montante de 700 mil milhões de dólares, além de mais 33 mil milhões que Obama conta obter do Congresso para as tropas recentemente enviadas para o Afeganistão. Apesar da crise (ou por isso mesmo), o imperialismo norte-americano não perde o tino sobre as suas prioridades.
Crise social não é prioridade
O défice orçamental dos EUA atingirá no final do ano o valor recorde de 1,6 biliões (milhões de milhões) de dólares, mais de 10% do produto interno bruto do país. Ao mesmo tempo, o desemprego continua perto dos 10% da população activa, mesmo se se anuncia desde há meses a “saída da crise”. As previsões apontam que no final de 2011 o défice terá reduzido muito pouco (para 1,3 biliões); e que também o desemprego permanecerá nos mesmos níveis até final do ano que vem.
Além do défice, os EUA têm uma dívida pública colossal que foi fortemente ampliada com os apoios do Estado aos bancos e aos fabricantes de automóveis desde que rebentou a presente crise. Essa dívida atingiu em Fevereiro mais de 14 biliões de dólares (mais de 80% do PIB) e vai crescer outros 8,5 biliões até 2020.
O próximo orçamento mostra quem vai pagar tudo isto.
Os principais cortes da despesa vão atingir a Agricultura, o Comércio e a Justiça e, bem assim (lá como cá), os sectores com implicações no apoio social à população trabalhadora, como a Saúde e os Recursos Humanos, a Habitação e o Planeamento Urbano.
A tentativa de criação de emprego (na verdade, a tentativa de estancar o desemprego) vai ter uma verba considerável, quando considerada em valor absoluto: 100 mil milhões de dólares; mas que representa apenas um sétimo do orçamento da Defesa acima referido. Mesmo assim, a parte de leão desses 100 mil milhões destina-se a apoiar empresas e não a despender com os trabalhadores propriamente ditos.
“Prevalecer em todas as guerras”
O destino a dar às novas verbas da Defesa é também ilustrativo dos propósitos da Administração Obama. Uma grande parte destina-se a multiplicar as armas usadas pela Força Aérea e pelo Exército, nomeadamente no Afeganistão: aviões não tripulados, bombas de precisão e helicópteros. Outra parte vai financiar Operações Especiais, não apenas no Afeganistão mas também no Iémen, país que os EUA elegeram como novo alvo ao declararem-no “prioridade em política externa” com o pretexto de sempre: “ameaça terrorista”.
O reforço financeiro dá igualmente suporte a uma revisão estratégica da política de “defesa” dos EUA, divulgada, sintomaticamente, em simultâneo com a proposta de orçamento.
Em vez de estarem preparadas, como até aqui, para enfrentar duas guerras de grandes proporções ao mesmo tempo, as Forças Armadas deverão poder responder, segundo os novos planos, a “uma multiplicidade de ameaças” de forma a “prevalecer em todas as guerras” – sejam ataques terroristas, ciberataques, acções de guerrilha, ou o surgimento de novos países com armas nucleares.
Ora, esta linha é, com toda a probabilidade, a que vai ser discutida na próxima cimeira da NATO a realizar em Portugal no final do ano – o que representará mais um passo no sentido de amarrar os países europeus ao carro de guerra dos EUA.
O que os preocupa
Esta orientação dos gastos mostra que não é o défice orçamental astronómico, nem a crise tremenda de desemprego e falências que preocupa as classes dirigentes norte-americanas – é o domínio dos EUA no mundo.
A secretária de Estado Hillary Clinton disse-o de forma aberta quando, a 25 de Fevereiro, defendeu a proposta de orçamento na Câmara dos Representantes. Afirmou ela: “Deveríamos abordar este défice e a dívida dos EUA como um assunto de segurança nacional, e não apenas como uma questão económica”. E, para que todos percebessem bem o que está em causa, explicou que o endividamento recorde dos EUA limita a “capacidade de garantir a nossa segurança, de lidar com problemas difíceis e de assumir o papel de líderes que merecemos”.
Efectivamente, está em causa o valor do dólar como moeda de troca mundial; por isso, está em causa a capacidade dos EUA pagarem o que devem ao resto do mundo; por isso, há o risco (pelo menos no horizonte) de os credores reclamarem os seus créditos.
Os EUA são assim levados a coagir os credores para manter o calote, a promover sucessivas guerras de dominação (como no Afeganistão, no Iraque ou na Palestina) para controlar regiões e recursos estratégicos. E a precisarem de verbas cada vez mais colossais para alimentarem a sua máquina de guerra e fazerem frente aos inevitáveis desaires.
É a isso que Clinton chama “ a nossa segurança”, os “problemas difíceis” e o “papel de líderes”. E, consequentemente, alertou os congressistas para o facto de a aprovação do orçamento não ser “apenas uma questão económica”.
Nem apenas, nem principalmente – dizemos nós.