O fim anunciado do dólar

Urbano de Campos — 30 Agosto 2009

dollar-a-arder_72dpi.jpgSe fosse algum economista suspeito de ser marxista a falar do fim do dólar como moeda internacional não faltaria quem o apelidasse de lunático. Mas agora é um prémio Nobel da Economia, o norte-americano Joseph Stiglitz, a dizer que “é preciso criar uma nova divisa mundial que substitua o dólar”.
Falando numa conferência na Tailândia, Stiglitz não deixou dúvidas: a moeda norte-americana tem hoje um valor “questionável” e investir em dólares é por isso um “grande risco”. Disse mais: “o actual sistema de reservas está em desgaste” e o dólar já “não é um bom refúgio de valor”.

Este é mais um efeito – com toda a probabilidade, inevitável – da presente crise mundial. Ela tem, com efeito, um traço particular: o declínio do domínio económico mundial dos EUA e a consequente decadência do imperialismo norte-americano.

Tal declínio é já de longa data, mas teve, nas crises mais recentes, um contrapeso importante: enquanto o dólar fosse aceite pela maioria das economias mundiais como a moeda das transacções internacionais, os EUA podiam financiar-se com o dinheiro dos outros, amparando o seu declínio económico com os capitais que, a troco de dólares, afluíam aos EUA na mira de valorização. Agora, mesmo esse amparo está em vias de desaparecer.

Os EUA confrontam-se, no fundo, com o risco de não poderem comprar ao estrangeiro tudo o que compravam emitindo simplesmente, como até agora, milhões e milhões de notas de dólar. Os seus fornecedores já não querem ser pagos numa moeda que se desvaloriza a cada dia que passa.

Não admira que a China, o maior detentor de divisas estrangeiras em todo o mundo e, até agora, o maior sustentáculo do dólar (ver artigo de Carlos Simões “Os EUA adiam a crise”), exija – com o apoio da Rússia e com a expectativa interessada da União Europeia e do Japão – a criação de uma nova moeda de pagamento mundial. Stiglitz faz-se porta-voz do inevitável.

Os EUA não podem evitar a decadência. Mas não vão deixar de tentar evitar por todos os meios que outras potências os suplantem. Resta-lhes como argumento cada vez mais exclusivo a força militar, como se tem visto nas últimas décadas.

O desenlace da actual crise afigura-se mais rico em mudanças do que fazem crer os prestadores de cuidados paliativos do capitalismo.


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